Fábio de Castro | Agência FAPESP – As cortinas hospitalares, como as que separam os leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), têm importante função na diminuição da contaminação por patógenos dispersos no ambiente.
Atuando no mercado de produtos hospitalares há mais de uma década, a empresa BR Goods apostou na nanotecnologia para aperfeiçoar suas cortinas hospitalares, desenvolvendo um produto com propriedades antimicrobianas e antifúngicas, autolimpantes, com função retardante de chamas e proteção contra radiação ultravioleta.
Para desenvolver o novo produto, a empresa sediada em Indaiatuba (SP) buscou parcerias com a Universidade Federal do ABC (UFABC), a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e obteve apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP.
“A BR Goods não é uma startup, mas é uma empresa que tem como objetivo inovar no seu setor. As cortinas que fabricávamos já tinham o efeito retardante de chama, mas o nosso grande desafio consistia em agregar outras funcionalidades ao produto”, diz o químico Luciano Avallone, professor da UFABC e pesquisador responsável pelo projeto.
Segundo Avallone, as cortinas são produzidas a partir de uma matriz polimérica e o desafio consiste em combinar dentro dessa matriz diversas cargas – como são chamadas as nanopartículas que dão propriedades especiais ao material.
“Quanto mais substâncias colocamos na matriz, menos resistente ela se torna e algumas de suas propriedades podem se perder. O nosso problema era agregar um grande número de cargas e manter, ao mesmo tempo, as características. Acabamos de concluir o projeto e conseguimos manter todas as funcionalidades”, afirma Avallone.
A empresa produz cortinas com funcionalidades especiais desde 2003, quando o Hospital Albert Einstein, referência na área da saúde, solicitou o desenvolvimento de cortinas divisórias para leito hospitalar com efeito retardante de chamas, antifúngico e antimicrobiano. Em 2008, a empresa começou a comercializar também os sistemas de proteção de paredes, portas e cantos de hospitais, conhecidos como bate-maca.
“Em 2020, buscamos parcerias com a UFABC, onde sou professor, e com a Poli-USP, visando o aperfeiçoamento dos nossos produtos. Nossa equipe da UFABC fez a eles uma proposta de pensar em inovação dentro da empresa e começamos a trabalhar juntos”, explica Avallone.
A empresa percebeu que seria possível adotar um modelo de inovação aberta, isto é, em vez de montar toda a infraestrutura de pesquisa, poderia optar por alavancar linhas de inovações e pipelines de projeto utilizando as parcerias com a academia. “A universidade se beneficia e a empresa obtém mais parcerias com clientes e fornecedores, potencializando a inovação”, avalia o químico.
No primeiro momento, em 2020, a parceria rendeu o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para funcionalizar os produtos da empresa associados com PVC, como corrimãos e bate-macas. Em seguida, a empresa recebeu apoio do PIPE para desenvolver as cortinas nanofuncionalizadas.
“Para isso foi preciso montar uma equipe multidisciplinar, envolvendo engenheiros de materiais, outros químicos e especialistas em microbiologia. Já tínhamos feito testes com as funções antimicrobianas das nanopartículas de prata e fizemos uma parceria com a professora Paula Haddad, da Unifesp de Diadema, que fez toda a parte de síntese de nanopartículas de prata, por exemplo”, explica Avallone, que tem mestrado e doutorado em química inorgânica e química de materiais.
Além da prata, diversas outras substâncias foram testadas em inúmeras combinações. “Começamos a trabalhar na arquitetura dessas nanopartículas, revestindo-as com outras substâncias e produzindo blends de nanopartículas, por exemplo, para reduzir a carga do material final sem perder suas propriedades e potencializando suas funcionalidades”, relata Avallone.
Com isso, os pesquisadores conseguiram chegar a um compósito híbrido de polímeros com nanopartículas de prata (AgNP), dióxido de titânio (TiO2), óxido de zinco (ZnO), óxido de magnésio (MgO). Mesmo com a grande quantidade de nanopartículas, foi possível compatibilizá-las para que a matéria-prima das cortinas não perdesse as propriedades mecânicas e físicas desejadas.
“Os resultados preliminares foram muito satisfatórios – eu diria que tivemos 90% de sucesso. Agora vamos partir para a segunda fase de pesquisa, na qual faremos novas adaptações com foco no desenvolvimento do produto”, afirma Avallone.
Cultura de inovação na empresa
Durante a primeira fase da pesquisa, apoiada pelo PIPE-FAPESP, a maior parte dos testes foi realizada nas dependências das universidades parceiras. Graças ao projeto, a BR Goods conseguiu trazer para a empresa um bolsista que realizou os testes de qualidade e desenvolveu algumas etapas metodológicas de caracterização.
“É muito importante trazer para dentro da empresa essa cultura de inovação. As parcerias com as universidades possibilitaram que a empresa vivenciasse de perto um processo de desenvolvimento tecnológico. Todo o pessoal que atua na área comercial, financeira e de produção da empresa começou a observar que havia algo novo ocorrendo. Pudemos ver de perto essa cultura de inovação sendo estabelecida – e fazendo sentido para a empresa”, diz o químico.
Além de Avallone e da professora Paula Haddad, participaram do projeto o engenheiro Danilo Justino Carastan, professor da UFABC, a engenheira Izabel Fernanda Machado, professora da Poli-USP, o físico Fabio Furlan Ferreira, professor da UFABC, Vanessa Barbosa Malaquias, doutoranda da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Newton Kiyoshi Fukumasu, pós-doutorando na Poli-USP, e, como bolsista, o designer Sergio Antonio Milani.