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Arquitetura Industrial – Impactos da RDC 301 no Projeto de Edifícios para Produção de Medicamentos

Arquitetura Industrial – Impactos da RDC 301 no Projeto de Edifícios para Produção de Medicamentos

Recentemente a ANVISA publicou a revisão das normas de Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos, batizada de RDC 301. Essa publicação substituiu a antiga RDC 17, publicada em 2001. A nova RDC é composta de um documento principal e 14 instruções normativas que falam sobre assuntos específicos como medicamentos estéreis, sistemas computadorizados e validação. Ela enumera os requisitos obrigatórios para o projeto de edifícios para produção de medicamentos.

O lançamento da RDC 301 está alinhado com a intenção da ANVISA de se harmonizar com as normas internacionais de boas práticas de fabricação de medicamentos através da participação ativa no PIC/s (esquema internacional de cooperação para inspeção farmacêutica). Essa harmonização aproxima a norma brasileira das normas das principais agências globais como FDA e EMA e também equaliza o entendimento e abordagem das inspeções realizadas na indústria. Nesse artigo vamos falar sobre esses requisitos e como ele influenciam o projeto de arquitetura dos edifícios de produção de medicamentos.

Requisitos Gerais de Boas Práticas de Fabricação

As boas práticas de fabricação (BPF) são parte integrante do sistema de gerenciamento da qualidade das indústrias. Esse sistema existe para assegurar que os produtos sejam consistentemente produzidos e controlados de acordo com os padrões de qualidade estabelecidos para seu uso. A adequação das instalações (incluindo os edifícios) faz parte dos requisitos básicos de BPF e do controle da qualidade.

As recomendações para o projeto das áreas produtivas, de embalagem e áreas auxiliares – controle de qualidade e armazenamento – não mudaram em relação a antiga RDC 17. As instalações devem, preferencialmente, ser planejadas de maneira que permitam um fluxo linear, que corresponda à sequência das operações e aos níveis de limpeza requeridos.

A iluminação, temperatura, umidade e ventilação devem ser adequadas, não devendo prejudicar, direta ou indiretamente, os medicamentos durante a sua fabricação e armazenamento. As instalações devem ser projetadas e equipadas de forma a garantir máxima proteção contra a entrada de insetos ou outros animais.

As regras para o projeto de edifícios e áreas de armazenamento estão contidas nos artigos 84 a 92 da RDC 301.

Prevenção Contra a Contaminação Cruzada

A contaminação cruzada ocorre quando ingredientes de um produto – matéria-prima, produto intermediário, produto a granel ou produto terminado – são acidentalmente misturados com outro produto. Esse risco – bem como a mistura acidental de materiais impressos – continua sendo uma preocupação das agências reguladoras e está registrada na RDC 301.

O risco de contaminação cruzada acidental resultante da liberação descontrolada de poeira, gases, vapores, aerossóis, material genético ou organismos de substâncias ativas, outros materiais (de partida ou em processo) e produtos em processo, de resíduos em equipamentos e das roupas dos operadores deve ser avaliado. A contaminação cruzada pode e deve ser evitada por meio da atenção ao projeto das instalações e equipamentos e das medidas organizacionais.

As medidas técnicas para prevenir a contaminação cruzada podem incluir: instalação de fabricação dedicada (instalações e equipamentos); áreas de produção autocontidas com equipamentos de produção e sistemas de aquecimento, ventilação e ar condicionado separados; uso de “sistemas fechados” para produção e transferência de material/produto entre equipamentos; uso de sistemas de barreira física, incluindo isoladores, como medidas de contenção; remoção controlada de poeira próxima à fonte do contaminante, por exemplo, por meio de exaustão localizada; uso de tecnologia de descartáveis de uso único; uso apropriado de antecâmaras e cascata de pressão para confinar um potencial contaminante derivado do ar em uma área específica, entre outros.

As medidas organizacionais incluem mas não se limitam a: dedicação de toda a instalação de produção ou o uso de uma área de produção autocontida em campanha organizada por tempo, seguida por um processo de limpeza de eficácia validada; manutenção de roupas de proteção específicas dentro de áreas onde produtos com alto risco de contaminação cruzada são processados; uso em campanha de áreas comuns de lavagem.

Gerenciamento de Risco da Qualidade

A introdução do Gerenciamento de Risco da Qualidade (GRQ) é uma das grandes mudanças na RDC 301 em comparação a RDC 17. Trata-se de um processo sistemático de avaliação, controle, comunicação e revisão de riscos para a qualidade do medicamento que tem por objetivo final a proteção do paciente. O GRQ baseia-se nos seguintes princípios: avaliação dos riscos baseada em conhecimento científico e experiência com o processo, e que, o nível de esforço, formalidade e documentação do processo de Gerenciamento de Risco da Qualidade seja compatível com o nível de risco.

Um processo de Gerenciamento de Risco da Qualidade, que inclua avaliação toxicológica e de potência, deve ser utilizado para avaliar e controlar os riscos de contaminação cruzada apresentados pelos produtos fabricados. O resultado desse processo deve ser a base para determinar a necessidade e a extensão de quais instalações e equipamentos devem ser dedicados a um determinado produto ou família de produtos. Esse resultado pode incluir a dedicação de partes específicas de contato com o produto ou a dedicação de toda a instalação de fabricação.

O resultado do processo de Gerenciamento de Risco da Qualidade deve ser a base para se determinar a extensão das medidas técnicas e organizacionais necessárias para o controle dos riscos de contaminação cruzada.

Áreas de Produção, Embalagem, Armazenamento e Controle de Qualidade

Os requerimentos de projeto de áreas produtivas, áreas de embalagem, armazenamento e áreas de controle de qualidade estão contidos na RDC 301 e não mudaram em relação a RDC 17. A pesagem de matérias-primas usualmente deve ser realizada em uma sala separada, projetada para tal uso. Operações que envolvam produtos diferentes não devem ser realizadas simultaneamente ou consecutivamente na mesma sala, a menos que não haja risco de mistura ou de contaminação cruzada.

O espaço de trabalho e de armazenamento durante o processamento deve permitir a disposição ordenada e lógica dos equipamentos e materiais. Nas áreas onde matérias-primas, materiais de embalagem primária, produtos intermediários ou a granel estiverem expostos ao ambiente, as superfícies internas (paredes, pisos e tetos) devem ser lisas, livres de rachaduras e juntas abertas, e não devem liberar material particulado, permitindo limpeza fácil e efetiva e, se necessário, desinfecção. Nos casos em que é gerado pó, como durante as operações de amostragem, pesagem, mistura e processamento, ou na embalagem de produtos sólidos, devem ser tomadas medidas específicas para evitar a contaminação cruzada e facilitar a limpeza. As tubulações, luminárias, pontos de ventilação e outras instalações devem ser projetados e instaladas de forma a evitar a criação de reentrâncias e facilitar a limpeza. Os ralos devem ser sifonados e ter dimensões adequadas. Canaletas abertas devem ser evitadas, entretanto, se necessárias, essas devem ser rasas para facilitar a limpeza e a desinfecção.

As instalações de embalagem de medicamentos devem ser especificamente projetadas e construídas para que misturas ou contaminação cruzada sejam evitadas. Diferentes produtos não devem ser embalados em proximidade, a menos que haja segregação física. O nome e o número de lote do produto que está sendo manipulado devem ser exibidos em cada estação ou linha de embalagem.

Normalmente, os laboratórios de Controle de Qualidade devem ser separados das áreas de produção. Os laboratórios de controle de produtos biológicos, microbiológicos e radioisótopos também devem estar separados não somente entre si, mas também das áreas de produção. Os laboratórios de controle devem ser projetados para as operações realizadas. Deve existir espaço suficiente para evitar misturas e contaminação cruzada e para o armazenamento adequado de amostras e registros. Salas separadas podem ser necessárias para proteger instrumentos sensíveis à vibração, interferência elétrica, umidade etc. Os equipamentos de laboratório não podem ser rotineiramente movimentados entre áreas de alto risco, visando evitar a contaminação cruzada acidental. O laboratório de microbiologia deve ser organizado de forma a minimizar o risco de contaminação cruzada.

Instruções Normativas Específicas

Uma das grandes novidades da RDC 301 é a introdução de Instruções Normativas para assuntos específicos. Ao todo são 14 instruções que abrangem a produção de medicamentos especiais – como estéreis e biológicos – procedimentos de amostragem, sistemas computadorizados e validação, entre outros. A introdução das instruções normativas faz com que a norma brasileira se torne 100% alinhada com o guia de GMP do PIC/s.

Os requerimentos para projeto de instalações para fabricação dos produtos estéreis estão contidos na Instrução Normativa 34. A IN 35 trata da produção de medicamentos biológicos enquanto as INs 37, 39 e 46 incluem as recomendações sobre Radiofármacos, Fitoterápicos e Hemoderivados, especificamente. Esses três tipos de medicamento não estavam incluídos na RDC 17 e agora contam com instruções específicas para manipulação, embalagem e armazenamento.

Todas essas INs contém requerimentos mandatórios para o projeto de edifícios de produção de medicamentos como: critérios de classificação de áreas, segregações, fluxos e acabamentos.

Qualificação de Projeto e ERUs

A qualificação de projeto (design qualification) passa a ser uma obrigação a partir da RDC 301. O processo de qualificação inclui a elaboração de Especificação de Requerimentos do Usuário (ERU ou URS na versão em inglês) que servem de base para uma revisão e posterior qualificação do projeto. Essa iniciativa representa uma das maiores mudanças na norma em relação a RDC 17.

A ERU deve conter minimamente as especificações para equipamentos, instalações, utilidades ou sistemas. Os elementos essenciais da qualidade precisam ser incorporados nesta fase e qualquer risco de BPF deve ser mitigado a um nível aceitável. A ERU deve ser um ponto de referência ao longo do ciclo de vida da validação.

O processo de qualificação de projeto traz mais segurança as operações uma vez que ele assegura que os requisitos mais importantes estabelecidos no requerimento de usuário sejam de fato considerados no projeto de engenharia dos edifícios de produção.

Conclusão

Em resumo, o lançamento da RDC 301 impõe desafios que antes não existiam como a avaliação de toxicidade dos produtos ou a realização de análises de risco que suportem as decisões de engenharia. No entanto, a harmonização da norma brasileira com as normas internacionais torna o processo de aprovação de produtos e de realização de inspeções mais simples e transparente uma vez que o entendimento dos inspetores sobre a aplicação das normas tende a ser uniformizado e consistente em todos os países membros do PIC/s.

A publicação da RDC 301 reforça a importância do papel do arquiteto nos projetos de engenharia de unidades de produção de medicamentos e cria oportunidades para esses profissionais em um segmento que só cresce no Brasil.

Sobre o autor:

Silmas Pareico é arquiteto industrial com 22 anos de experiência em projetos para a indústria farmacêutica e de ciências da vida. Atua como palestrante e líder de comitê na ISPE e trabalha na divisão de consultoria da Nordika do Brasil.

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