Laboratórios nacionais e estrangeiros estão se movimentando para disputar um mercado que promete ser bilionário também no Brasil, o de medicamentos derivados de canabinoides, compostos encontrados na maconha. Depois da admissão das propriedades terapêuticas do canabidiol pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2015 e, mais recentemente, a liberação à importação do primeiro remédio à base de cânabis, o país se prepara para produzir localmente remédios com esses princípios ativos e o próprio insumo farmacêutico, com ou sem plantação de cânabis.
Na semana passada, a farmacêutica paranaense Prati-Donaduzzi produziu o primeiro lote de um canabidiol sintético que pode substituir o princípio ativo de origem natural e tem elevado grau de pureza, livre de outros compostos que têm efeitos alucinógenos. Do lado dos laboratórios internacionais, a americana Knox Medical apresentou ao Ministério da Saúde a proposta de montar uma fábrica no país, mediante investimentos de US$ 20 milhões.
Inicialmente, a Knox planeja instalar a unidade produtiva no Estado de São Paulo, perto de uma área de cultivo da planta, mas oportunidades em outros Estados também serão avaliadas. A intenção é montar no país uma plataforma para exportação a outros mercados latino-americanos.
De acordo com o presidente da empresa no Brasil, Mario Grieco, dois estudos clínicos serão conduzidos no país, para tratamento de epilepsia e com pacientes terminais de câncer. Caso a burocracia dificulte a implementação do projeto industrial no curto prazo, diz o médico – que foi presidente da Bristol-Myers Squibb e da Monsanto no país – os produtos da Knox serão inicialmente importados.
“Queremos ter importação no segundo semestre”, diz Grieco. A Knox iniciou as operações no país no mês passado e investe na construção de um laboratório de controle de qualidade na capital paulista. O laboratório é exigência da Anvisa para a venda dos medicamentos importados, que chegarão às farmácias brasileiras por meio de uma grande distribuidora.
A Prati, por sua vez, importa atualmente canabidiol para produzir um medicamento fitoterápico que poderá ser usado no tratamento da epilepsia refratária. Em fase final de estudos clínicos (fase 3), o remédio, que levará a marca Myalo, tem lançamento comercial previsto para a virada do ano.
Para contornar o elevado custo de importação e de obtenção dos princípios ativos a partir da cânabis cultivada, o laboratório paranaense se associou à Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto (SP) da Universidade de São Paulo e desenvolveu o canabidiol sintético, que segue agora para a fase de estudos clínicos. “Esperamos reduzir o custo [do tratamento] em até 10 vezes”, diz o presidente da Prati, Eder Maffissoni.
A farmacêutica já tem uma linha industrial para produzir o insumo (IFA, no jargão da indústria) no complexo de Toledo (PR), com capacidade para 380 quilos por ano, suficiente para suprir toda a demanda brasileira. Desde que iniciou os estudos com o canabidiol, há quatro anos, o laboratório estima ter investido entre R$ 20 milhões e R$ 40 milhões nos dois projetos (o fitofármaco e o composto sintético).
Hoje, um único medicamento à base de cânabis tem registro na Anvisa, o Mevatyl – vendido sob a marca Sativex no mercado internacional. Indicado para o tratamento da espaticidade, uma consequência da esclerose múltipla que provoca rigidez excessiva nos músculos, chega ao paciente com custo de R$ 2,5 mil o frasco.
A Knox, que consegue chegar ao consumidor final com custos mais baixos, vê no Brasil um mercado potencial de R$ 2,3 bilhões, considerando-se as aplicações de seus produtos, que incluem glaucoma, esclerose múltipla, aids e doença de Parkinson, entre outras.
A startup americana foi criada em 2015 por um consórcio de investidores para disputar o mercado de cânabis medicinal, que no ano passado movimentou US$ 7 bilhões nos Estados Unidos. Hoje, tem em seu portfólio 12 produtos, que vão desde um óleo de uso sublingual a cremes e soluções para inalação que podem conter somente canabidiol ou tetrahidrocanabinol (THC, que tem efeito alucinógeno) ou combinações dos dois princípios ativos.
A empresa opera no Canadá, onde tem um polo produtivo, e em Porto Rico. Além disso, tem licenças de comercialização em diferentes Estados americanos. Na América Latina, além do Brasil, está em conversas com o Peru. De acordo com Grieco, a tecnologia de produção da empresa permite que os produtos cheguem ao consumidor final a preços acessíveis, em torno de US$ 80 o tratamento.
O uso da maconha para fins medicinais já foi liberado em diversos países – o Canadá, que tem uma das legislações mais avançadas nesse sentido, caminha para liberar inclusive o uso recreativo. No Brasil, a ausência de regulamentação ainda é um fator que pode inibir novos investimentos, pondera Grieco.
Fonte: http://www.valor.com.br