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Novos requisitos de qualidade dispostos na RDC nº 301/2019 – Parte 4

Novos requisitos de qualidade dispostos na RDC nº 301/2019 – Parte 4

Por Jair Calixto*

CAPÍTULO VI – PRODUÇÃO – Seção II- Disposições Gerais

Considero que este Capítulo, juntamente com o Capítulo II e o IX- Reclamações, são os mais densos de toda a norma, com transitoriedades importantes, assim como, os que trazem mais itens de novidade.

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Logo no início a ANVISA esclarece uma dúvida que, talvez, os profissionais estejam tendo: “Produtos intermediários e a granel, adquiridos como tal, devem ser manuseados no recebimento como se fossem matérias-primas”. Importante esclarecer isso, pois eles ainda farão parte do processo e, portanto, não são medicamentos finalizados.

O artigo 160 aborda a reconciliação, tema já conhecido e presente na RDC nº 17/2010. Chamo a atenção para o fato de que a reconciliação identifica falhas de processo e, a depender do caso, de produção. Portanto, reconciliar adequadamente os materiais e produto é tarefa das mais relevantes.

Semelhante ao Capítulo IV, este capítulo também insiste grandemente em relação à contaminação cruzada, por misturas e por partículas. Portanto, deve-se ter atenção especial sobre os mecanismos que levam à contaminação cruzada. Conforme citado anteriormente, produtos diferentes não devem ser fabricados na mesma sala, a não ser que não haja risco de mistura ou de contaminação cruzada.

Para isso, o gerenciamento do risco inerente deve ser realizado.

Igualmente, medidas de prevenção à contaminação cruzada – já citadas no Capítulo IV – devem ser usadas para possibilitar a fabricação de produtos não medicinais na mesma área / equipamentos, usados na produção de medicamentos.

Vale lembrar que as principais fontes de contaminação podem ser:

Gases, vapores, aerossóis, material genético ou microorganismos, materiais de partida, vestimentas do operador, resíduos no equipamento, partículas carreadas pelo ar ou pelos utensílios e recipientes de matérias primas. Portanto, as medidas de contenção propostas devem visar a sua mitigação.

No artigo 172, aparece um dos requisitos mais significativos da norma, que é a utilização do Gerenciamento de Risco da Qualidade (GRQ), com a inclusão da avaliação toxicológica e de potência, para avaliar e controlar os riscos de contaminação cruzada apresentados pelos produtos. No final deste artigo deixo algumas referências para aumentar o conhecimento.

Neste sentido, o farmacêutico deve começar a compreender os conceitos e definições usados em Toxicologia, já que isso não faz parte da sua formação, como a Permitted Daily Exposure (PDE) ou Exposição Diária Permitida (EDP); Acceptable Daily Exposure (ADE) ou Exposição Diária Aceitável (EDA); Occupational Exposure Level (OEL) ou Nível de Exposição Ocupacional;

No Observed Effect Level (NOEL) ou Nível Sem Efeito Observável (NSEO); No Observed Adverse Effect Level (NOAEL) ou Nível Sem Efeito Adverso Observável (NSEAO), apenas para citar os mais utilizados no cálculo do PDE. 2 21/06/2020

E o que é e o que significa PDE? É a dose específica de uma substância que é improvável de causar um efeito adverso em um indivíduo exposto todos os dias ao longo da vida!

Portanto, quantidades abaixo desta dose estabelecida não trarão potencial de efeitos adversos quando presentes. E, se o cálculo do PDE estiver acima dos limites estabelecidos no cálculo da validação de limpeza, esta não necessitará ser refeita.

Conforme uma apresentação da ANVISA (Roberto dos Reis) em 24/09/2019, os pontos mais importantes a serem seguidos pelas empresas na determinação do PDE são:

  • A determinação dos efeitos críticos deve ser feita com base em uma busca compreensiva na literatura e a estratégia de busca, bem como os resultados, devem ser claramente documentadas.
  • Os dados devem ser revisados por um especialista e deve ser apresentado o racional para definição da escolha dos endpoints e doses a serem utilizadas;
  • As fontes originais dos estudos devem ser consultadas e referenciadas para que os dados sejam revisados quanto à sua qualidade;
  • A estratégia deve prover um racional claro acerca dos fatores de ajuste aplicados;
  • A página inicial do relatório deve ser um resumo do processo de avaliação.

Voltando ao GRQ, diversos fatores devem ser considerados, tais como: o projeto e uso da instalação e equipamentos, o fluxo de pessoal e material, controles microbiológicos, características físico-químicas da substância ativa, características do processo, processos de limpeza e capacidades analíticas referentes aos limites relativos estabelecidos a partir da avaliação dos produtos.

O GRQ deve determinar a necessidade e a extensão de quais instalações e equipamentos devem ser dedicados e, se no todo ou em partes. Mesmo dentro de uma área de produção segregada e autocontida, dentro de uma instalação multiproduto, pode ser adequado dedicar a produção, se for o caso.

Adicionalmente, o GRQ pode determinar a extensão das medidas técnicas e organizacionais para controlar os riscos de Contaminação Cruzada. E o artigo 173 lista as medidas técnicas:

-instalação dedicada;

-áreas de produção autocontidas;

-processo de fabricação, instalações e equipamentos projetados para minimizar o risco de contaminação cruzada;

-uso de “sistemas fechados” para produção;

-barreira física, incluindo isoladores, entre outros.

E as medidas organizacionais:

-dedicação de toda a instalação de produção ou uma área de produção autocontida em -campanha organizada por tempo, seguida por um processo de limpeza de eficácia validada;

-manutenção de roupas de proteção específicas dentro de áreas onde produtos com alto risco de contaminação cruzada são processados;

-verificação de limpeza após cada campanha de produto deve ser considerada como uma ferramenta de detecção para apoiar a eficácia da abordagem de Gerenciamento de Risco da Qualidade para produtos considerados de maior risco;

-medidas específicas para manuseio de resíduos, água de rinsagem contaminada e vestimentas sujas; 3 21/06/2020

-desenho dos processos de limpeza para instalações e equipamentos, de tal forma que os processos de limpeza não apresentem em si um risco de contaminação cruzada, entre outras;

Passando agora à Seção V – Matérias-primas, no item sobre qualificação de fornecedores de matérias-primas, a supervisão deste processo deve ser proporcional aos riscos apresentados pelos materiais, considerando entre outras coisas, a complexidade da cadeia de suprimento e a utilização do material no medicamento. A ANVISA reforça a necessidade de que a equipe imbuída destas atividades possua conhecimento preciso sobre os fornecedores, sobre a cadeia de suprimento e os riscos associados envolvidos. Interessante notar que há a exigência para que a equipe de qualidade deva ter visão global do processo de fabricação para entender as complexidades do processo de fabricação interno e as generalidades da cadeia de suprimentos.

O artigo 181 requer que, para aprovação dos IFAs seja necessário estabelecer a rastreabilidade da cadeia de suprimento, adotando medidas adequadas para reduzir os riscos do IFA identificados através do GRQ.

A empresa deve ainda, manter registros da cadeia de suprimento e da rastreabilidade de cada IFA, incluindo seus materiais de partida. Auditorias presenciais devem ser realizadas junto aos fabricantes e distribuidores de IFAs. Agora é obrigatório fazer auditorias presenciais, pois é preciso que a empresa conheça seu fornecedor e identifique se ele cumpre com os requisitos do sistema da qualidade. A proximidade com o fornecedor é extremamente necessária para antecipar possíveis problemas futuros relativos ao suprimento e ao compliance.

Um ponto interessante é que a ANVISA institui a permissão para que as auditorias possam ser realizadas pela empresa ou por meio de uma entidade que atue em seu nome. Isso avalia o programa no qual, com apoio das indústrias, desenvolvi anteriormente sobre auditorias compartilhadas, o qual beneficia amplamente o setor.

A empresa deve assegurar a identidade do conteúdo de cada recipiente de matéria-prima. Não é novidade, mas o reforço é no sentido de que, caso utilize-se de laudos do fornecedor ou qualidade assegurada, a identificação não pode deixar de ser feita.

No artigo 191 aparece uma novidade: a empresa pode utilizar resultados parciais ou totais do laudo de análise do fabricante aprovado, porém, minimamente, deve ser realizado o teste de identificação. Para isso, deve-se ter o controle da cadeia de distribuição, visando manter as características de qualidade das matérias-primas; auditorias, em intervalos apropriados, com base no risco do(s) local(is) de teste (incluindo amostragem) das matérias-primas, para assegurar a conformidade com as BPFs; certificado de análise do fabricante/fornecedor da matéria-prima em conformidade à especificação; conhecimento sobre o fabricante da matéria-prima, como histórico de conformidade antes de se reduzirem os testes internos e a transparência do fornecedor sobre alterações nos processos e análise completa pelo fabricante do medicamento, a intervalos apropriados, com base no risco, para confrontar os resultados do fornecedor do IFA.

Com estas medidas, creio que a empresa pode utilizar os laudos do fornecedor sem receio de perder o controle sobre a qualidade do IFA.

Na Seção VIII – Operações de embalagem, verificações devem ser feitas para garantir que dispositivos eletrônicos operam corretamente. Aqui, o supervisor da embalagem deve ter uma atuação junto à área de engenharia para estabelecer um sistema de verificação periódica destes dispositivos, no sentido de evitar sua falha. 4 21/06/2020

O artigo 215 traz outra novidade importante deste Capítulo VI. A ANVISA obriga a que as empresas instalem controles on-line do produto durante a embalagem, com ênfase para aparência geral das embalagens e se estão completas, o uso correto dos produtos e materiais de embalagem, as impressões corretas aplicadas durante a embalagem. Ponto bastante sensível, mas controles automáticos na linha de embalagem devem ser usados para evitar misturas e erros e já vêm sendo utilizados por diversas empresas ao longo dos anos. Para isso, uma transitoriedade de 4 anos foi estabelecida, com intervalos a serem cumpridos.

No artigo 218, deve-se investigar as divergências durante a reconciliação do produto a granel, materiais de embalagem impressos e a quantidade de unidades produzidas. Lembrando que, terminando o processo de embalagem, os materiais de embalagem codificados devem ser destruídos.

A ANVISA deixa claro, na Seção X – Materiais rejeitados, recuperados e devolvidos, que a empresa pode recuperar produtos. Porém, a recuperação total ou parcial de lotes, em conformidade com a qualidade requerida, deve ser autorizada antecipadamente, registrada e após avaliação dos riscos envolvidos.

Os produtos devolvidos devem ser destruídos, a menos que sua qualidade seja satisfatória, eles podem ser considerados para revenda, após avaliação pelo Sistema da Qualidade Farmacêutica.

Concluindo, resumo que três itens são bem novos, como o uso do GRQ e requisitos de toxicidade para permitir o compartilhamento de produtos, o controle on-line na embalagem e a auditoria presencial na qualificação de fornecedores irão exigir grandes esforços das empresas e dos profissionais na sua implantação.

No próximo artigo falaremos sobre o Capítulo VII, Controle de Qualidade.

Referências

PIC/s- Guideline on setting health based exposure limits for use in risk identification in the manufacture of different medicinal products in shared facilities, PI046-1 Annex, 1 July 2018, disponível em: file:///C:/Users/roberto.reis/Downloads/PI_046_1_PICS_Guideline_on_Exposure_Limits.pdf

EMA-Guideline on setting health based exposure limits for use in risk identification in the manufacture of different medicinal products in shared facilities, 20 November 2014, disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/guideline-setting-health-based-exposure-limits-use-risk-identification-manufacture-different_en.pdf

ICH guideline M7(R1) on assessment and control of DNA reactive (mutagenic) impurities in pharmaceuticals to limit potential carcinogenic risk, 25 August 2015, disponível em:https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/ich-guideline-m7r1-assessment-control-dna-reactive-mutagenic-impurities-pharmaceuticals-limit_en.pdf

Jair Calixto é especialista em Boas Práticas de Fabricação do IBBPF. Visite o Canal BPF no YouTube e o Instagram.

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