terça-feira , 16 abril 2024
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Uma visão holística sobre o descarte de resíduos de medicamentos domiciliares

Uma visão holística sobre o descarte de resíduos de medicamentos domiciliares

Por Jair Calixto***

Introdução

Muito se fala e muito já se falou sobre o descarte de resíduos de medicamentos domiciliares nos últimos anos. Poderíamos ser repetitivos, detalhando todas as tecnologias, modelos e métodos já discutidos que podem ser usados na coleta e destinação destes resíduos, mas é preferível abordar o tema sob a ótica da viabilidade, da capacidade e da disponibilidade real de infraestrutura nacional, tendo como parâmetro o panorama brasileiro em relação aos diferentes resíduos sólidos gerados pela população.

Infraestrutura disponível

Inicialmente é fundamental que analisemos a infraestrutura do país para a recepção, transporte, tratamento e destinação dos resíduos. Sabemos que 60% dos municípios – cerca de 3.300 – (ABETRE, 2013) não possuem aterros sanitários certificados, sendo que a Lei nº 12.305/2010 estabeleceu o prazo de agosto de 2014 para que os lixões e aterros irregulares fossem eliminados, mas isso não ocorreu. Em decorrência disto, temos um grave problema a ser equacionado, que é a inexistência de estrutura até mesmo para o lixo comum.

Outros dados importantes de serem analisados são: o número de aterros Classe I, para resíduos perigosos, e o número de incineradoras disponíveis no país. Dispomos atualmente de cerca de 16 Aterros classificados como Classe I, localizados nos estados do Sul e Sudeste e 23 Incineradoras distribuídas em alguns Estados do Nordeste e Sudeste (ABETRE,2013).
Com a estrutura atualmente disponível, a logística tem um papel crucial neste processo, fazendo com que os custos necessários para coletar, transportar e destinar os resíduos de medicamentos domiciliares inviabilizem economicamente quaisquer dos modelos propostos. A análise dos custos, com base em modelos voluntários existentes, mostra que o transporte é um fator de alto custo, contribuindo com cerca de 70% do total. De imediato somos levados a refletir sobre a relação custo/benefício de se proceder à destinação de certos resíduos, transportados por longas distâncias,  em que as viagens podem alcançar quase 4.000 km (por exemplo, de Boa Vista – RR até Belém – PA).

Quando se converte a quantidade de combustível consumida nestas viagens em volume de gás carbônico produzido, pode-se obter como resultado um m impacto ambiental maior com a geração de gás carbônico do que com o descarte de resíduos de produtos inócuos ao ambiente, depositados em aterros sanitários comuns licenciados. Um cálculo aproximado mostra que cada 4.000 km geram 2 toneladas de CO2 (ref.: site: http://www.greenco2.net/calculadora.html#).

Portanto, é sensato organizar o sistema em cidades acima de 100.000 habitantes e que possuam estrutura para a destinação adequada.

Quantidade de resíduos

Outro importante ponto de destaque refere-se aos volumes de resíduos produzidos. Todos os resíduos sólidos (de todos os tipos) gerados em um ano no Brasil atingem 76 milhões de toneladas, conforme dados da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública (ABRELPE, 2013). É bom relembrar que 60% destes 76 milhões simplesmente não são coletados ou são destinados para aterros não regularizados. Já a geração de resíduos de medicamentos domiciliares, em um ano, é  estimada em 14.260 toneladas (média de 71,3 g por habitante/ano* x 200.000.000 habitantes). Portanto, o total de resíduos de medicamentos domiciliares em relação ao total geral de resíduos sólidos no país em 2013 representou apenas 0,0187% deste total. Em termos quantitativos, o volume está longe de ser representativo.

    *Média obtida através dos dados constantes do Relatório “Logística Reversa para o setor de medicamentos” (ABDI/2013.

Este dado nos mostra uma informação importante, ou seja, não é necessário estabelecer um modelo permanente de coleta e destinação, sendo recomendável um modelo realizado através de campanha anual ou bianual.

Como ferramenta de benchmarking para esta recomendação, podemos observar o modelo americano, atualmente em desenvolvimento e já discutido em outros artigos técnicos, chamado “Take Back Day”, que foi instituído em 2010 nos EUA, como o Dia Nacional da Coleta de Medicamentos Prescritos (National Prescription Drug Take-Back Day), sob a coordenação da Drug Enforcement Administration (DEA, 2014). Em sua 5ª edição, em 26 de outubro de 2013, foram recolhidas 371 toneladas de medicamentos impróprios para consumo em 5.800 pontos de coleta localizados em todos os estados e territórios dos EUA. Na soma das edições foram recebidas 1.733 toneladas.

Classificação dos resíduos de medicamentos

A esta informação acima devemos agregar outro dado importante, a baixa periculosidade dos resíduos de medicamentos: a grande maioria dos resíduos não é perigosa, sendo perfeitamente viável sua destinação aos aterros sanitários comuns (Classe II), utilizados para os resíduos sólidos domésticos gerais, devidamente licenciados e regulados. Para os demais resíduos, classificados como perigosos, a destinação adequada seria  para   aterros sanitários Classe I ou a incineração.

É interessante notar que o documento que atribuiu a viabilidade à logística reversa para resíduos de medicamentos (ABDI, 2013), reitera explicitamente este contexto, o qual reproduzimos a seguir “Dependendo de sua composição, os medicamentos podem ser classificados como resíduos classe I, englobando as substâncias químicas que poderão apresentar risco à saúde pública ou ao meio ambiente, dependendo de suas características (inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade). A recomendação de destinação para esses resíduos é que sejam destinados a aterros para produtos perigosos classe I. Ou seja, parte dos medicamentos pode ser classificado como resíduos perigosos classe I. Justamente por isso, o processo produtivo industrial, assim como a atuação dos serviços de saúde que lida, entre outros produtos, com medicamentos, encontram-se já regulamentados pelos órgãos reguladores ambientais.

Mas, mesmo com o baixo risco ambiental e à saúde, concordamos inteiramente com a tese de que os resíduos de medicamentos não devem ser dispostos no ambiente de forma irracional.

Neste sentido, o estabelecimento de uma classificação de risco dos resíduos, baseada na ciência, é fundamental para determinar a forma adequada de descarte dos mesmos e, para tal propósito, já existem mecanismos regulatórios disponíveis, como a Norma ABNT nº 10.004/2004, a Resolução CONAMA nº 358/2005 e a Portaria CVS nº 21/2008, os quais poderão ser muito úteis.

Redução da geração dos resíduos

Independentemente do modelo de destinação a ser usado, devemos frisar que qualquer um deles possui vantagens e desvantagens. Os especialistas entendem que pode haver algum prejuízo ambiental em se utilizar um ou outro.

Os aterros sanitários, sejam os de classe I ou de classe II, ocupam espaço importante da área dos municípios e produzem outro tipo de resíduo, conhecido como chorume**, extremamente tóxico, decorrente da decomposição do lixo.

Por outro lado, a incineração reduz grandemente o volume dos resíduos e, quando devidamente organizada e controlada,  pode ser transformada em energia elétrica. A princípio, é uma alternativa muito boa. Resta, porém, controlar efetivamente seus filtros,  pois em presença de falhas, ausência de manutenção ou de controles efetivos, pode contaminar o ar com diversos materiais particulados e substâncias com certo grau de toxicidade.

Então, não existe um modelo ou mecanismo ideal? O consenso entre os ambientalistas de todo o planeta é que a atuação mais indicada para os órgãos ambientais, cujos resultados podem ser mais efetivos e menos traumáticos para o meio ambiente, é adotar medidas que reduzam o volume de resíduos, diminuindo sua geração e trabalhando pela reciclagem e reaproveitamento, quando possível. Neste sentido, a informação, o debate e a educação da sociedade desempenham papel preponderante.

Do ponto de vista sanitário, a reciclagem de medicamentos é proibida pelos órgãos sanitários. Adicionalmente, a questão técnica também é um impeditivo à reciclagem, na maioria dos casos, dada a complexidade dos processos envolvidos. Contudo, o estabelecimento de estruturas para a reciclagem de determinadas embalagens de medicamentos é ferramenta valiosa para a redução dos resíduos, contribuindo para diminuir o volume a ser encaminhado à destinação ambiental.

**Chorume: Significa o líquido poluente de cor escura e odor nauseante, originado de processos biológicos, químicos e físicos da decomposição de resíduos orgânicos. Esses processos, somados com a ação da água das chuvas se encarregam de lixiviar compostos orgânicos presentes nos lixões para o meio ambiente.

Conclusões

Do exposto acima pode-se extrair soluções adequadas para a realidade brasileira. A análise destes dados e informações torna possível relacionar as premissas mais importantes que norteiem o descarte de resíduos de medicamentos domiciliares no Brasil, a médio e longo prazo.

Primeira: começar pela base, educando a sociedade para a redução dos resíduos. Mesmo porque, os resíduos sólidos mais comuns (domésticos), em sua maioria, ainda não são destinados adequadamente.

Segunda: estabelecimento, pelo Poder Público, de estratégias de reciclagem de embalagens, para recuperar materiais, diminuir o volume de resíduos e reduzir o sacrifício ambiental na destinação. A reciclagem, neste caso, somente alcançaria as embalagens passíveis de serem recicladas, em virtude de suas características particulares e técnicas.

Terceira: em função do baixo volume dos resíduos, adotar o modelo de campanhas anuais/bianuais, em vez de um  esquema permanente, de custo elevado e estrutura complexa.

Quarta: a inexistência de risco para a maioria dos fármacos que compõem os medicamentos pressupõe a adoção de uma lista de classificação de periculosidade dos mesmos e a conseqüente utilização da estrutura urbana comum para a destinação destes  resíduos.

Assim, o início deste processo pode-se dar através de uma estratégia de redução e reciclagem dos resíduos e, gradativamente,  implementação de um modelo baseado nos critérios acima expostos. Pois, como se viu, tanto o volume dos resíduos gerados como seu impacto não são representativos no contexto geral dos resíduos sólidos.

Referências

(ABETRE, 2013) Perfil do Setor de Tratamento de Resíduos – ABETRE, Abril / 2013.

(ABDI, 2013) BRASIL. Logística Reversa para o setor de medicamentos – MDIC/ABDI, 2013.

(ABRELPE, 2013) Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil – ABRELPE, 2013.

(DEA, 2014) National Prescription Drug Take-Back Day. http://www.deadiversion.usdoj.gov/drug_disposal/index.html.

***Jair Calixto é  Farmacêutico e Gerente de Boas Práticas e Auditorias Farmacêuticas do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de Estado de São Paulo).

 

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